o eu singular
Publié le 15/02/2024
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Curso: Letras
Professora: LUCIANA ARRUDA
Semestre: 1º / 2018
Disciplina: Introdução a Teoria da Literatura
Aluna: Barbara Cristina Rocha Chagas
Matrícula: 18/0061542
O ‘EU’ singular
(Análise da obra Humilhados e Ofendidos, de Fiódor Dostoiévski)
1°/ 2018
Introdução:
Sob uma perspectiva mais abrangente usarei a metáfora de um funil para dar início à
análise dos aspectos da obra de Dostoiévski.
Começando assim pelos elementos
maiores, que aos poucos ajudaram na construção dos elementos menores.
Mostrando
como a influência dos fatores intrínsecos e extrínsecos afetam na construção da obra e
dos personagens de Humilhados e Ofendidos.
Ao ler o livro de Fiódor Dostoiévski,
fica claro a concepção de dialogismo, polifonia, singularidade e inacabamento entre os
personagens do exemplar.
Nessa escala, irei começar pelos elementos maiores, até
chegar aos demais conceitos de singularidade e inacabamento dos personagens da
narrativa.
Palavras-chave:
Fiódor
Dostoiévski;
dialogismo;
polifonia;
singularidade;
inacabamento;
O dialogismo dentro da obra é visto por Bakhtin como o processo de interação entre
os textos dentro da polifonia, ou seja, a relação comunicativa dos personagens dentro
da narrativa; a multiplicidade de vozes formando um grande diálogo coeso e uníssono.
Uma parte do livro que mostra bem isso, é o momento em que o Príncipe aparece na
casa de Natasha tentando lhe convencer de sua bondade.
Vejamos, como essas vozes
dialogam entre si e se unem na tentativa de mostrar algumas possibilidades para o
leitor, da confiança ou da desconfiança do caráter do Príncipe.
— Vânia, que pensas tu do príncipe?
— Creio que falou com sinceridade e que, se assim é, é um perfeito
cavalheiro.
— Que queres dizer? Então ele podia, por acaso, não ser sincero?
— É o que eu penso também — respondi.
— «Pode ser que ande a tramar
qualquer coisa», pensei para comigo.
— Tu estiveste sempre a olhar para ele tão fixamente...
É estranho!
— Sim, parecia-me um pouco estranho.
— A mim também.
Tem uma tal maneira de falar...
Estou esgotada, meu caro
Vânia.
Olha, deixa-me agora e vem ver-me amanhã, quando saíres de casa dos
meus pais...
Ah! Diz-me, não teria ele ficado ofendido por eu lhe dizer que
desejava começar imediatamente a gostar dele?
(DOSTOIÉVSKI, Humilhados e Ofendidos.
1861, p.
102).
Bakhtin explica que o diálogo pode ser definido como
"toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja".
A
palavra chave da linguística bakhtiniana é diálogo: "as
relações dialógicas são de índole específica: não podem
ser reduzidas a relações meramente lógicas (ainda que
dialéticas)
nem
meramente
linguísticas
(sintático-composicionais).
Elas só são possíveis entre
enunciados integrais de diferentes sujeitos do discurso".
(BAKHTIN, 2010, p.
323)
Dentro desse dialogismo encontramos a caracterização do
romance polifônico, que é aquele em que cada personagem
funcionaria como um ser autônomo provido de voz, visão,
e posição própria dentro do mundo no qual está inserido.
Um exemplo forte desse caráter polifônico é o personagem
de Ivan Petrovitch (Vânia).
Pois ao mesmo tempo que
exerce a função de narrador, tem papel fundamental na
polifonia e no dialogismo entre os demais personagens da
narrativa, tendo que, dentro da história Ivan é visto como
um mediador dos conflitos existentes entre os
personagens, assumindo um posicionamento importante
de confidente, e abrindo a possibilidade da ressonância das
outras vozes se dialogarem entre si, mas ao mesmo tempo
através dele.
Em um momento da narrativa é possível ver como o personagem de Ivan se encontra
perdido sem saber a quem ajudar, pois tanto Natasha, Helena (Nelly), o Príncipe, Ana
Andreievna, Nikolai Lkmeiniev e Masloboiev exigiam sua presença em um
determinado tempo.
Dessa forma, é possível ver a sobrecarga do personagem Ivan,
que se sentiu encurralado por não poder atender a todos; sendo um verdadeiro pilar
dentro da história.
Ao tratar de singularidade dos personagens criados por Dostoievski, Bakhtin
acreditava que a noção de inacabamento, o dialogismo entre os personagens e a
polifonia presente, faria parte de um importante projeto filosófico, que tratava-se de
valorizar o indivíduo em sua posição individual como parte da formação de
identidade, ou seja, a união de todos esses aspectos proporcionam uma única
identidade aos seus personagens, levando a valorização da sua singularidade.
‘’Não se trata de valorizar o individual como forma de identidade, isto é, como mero
exemplo de uma série geral, mas valorizar sua singularidade.’’ (BAKHTIN, 2010, p.
106).
É portanto singular a forma como cada indivíduo lida com algo, e por mais igual que
ele seja ao exercer um mero papel social como pai, filho, mãe ou irmão, ele continua
sendo insubstituível como pessoa.
‘’Para um sujeito desencarnado, não participante,
todas as mortes podem ser indiferentemente iguais.
Mas nenhum vive em um mundo
no qual todos são -em relação ao valor- igualmente mortais’’ (Bakhtin, 2010, p.106).
Um fato que retrata bem essa questão da singularidade dos indivíduos dentro da obra
de Dostoievski, e quando o pai de Natacha, Nikolai Lkmeniev acreditava que
adotando uma criança órfã conseguiria substituir sua filha.
E a velha rompeu num pranto desolador.
— Ah, esquecia-me de dizer-te uma coisa! — exclamou de repente, satisfeita
por se ter lembrado.
— Ouviste-o falar a respeito de uma órfã?
— Ouvi, Ana Andreievna.
Disse me que pensavam os dois e tinham
combinado adoptar uma rapariguinha pobre, uma órfã.
É verdade?
— Eu não pensei nisso.
Não quero nenhuma órfã.
Recordava-me a nossa
infelicidade, o nosso desgosto.
Eu só posso gostar da minha Natacha.
Era e
será a minha única filha.
Mas porque teria ele essa ideia, meu amigo? Que
pensas tu, Ivan Petrovitch? Talvez pense que eu possa consolar-me assim.
Como me vê tão chorosa! Também pode ser que queira esquecer a filha
adotando outra.
Que te disse ele de mim durante o caminho?
(DOSTOIÉVSKI, Humilhados e Ofendidos.
1861, p.
63).
A narrativa está cheia de tentativas de substituição; o Príncipe se voluntariando a ser
pai de Natacha, Bubnova fazendo papel de ‘’maldrasta’’ de Nelly, a indecisão de
Alioscha entre Katia e Natacha.
Vejamos:
— Sou vil e velhaco, Vânia — começou.
— Salva-me de mim próprio.
Eu não
choro por ser vil e velhaco, mas porque Natacha vai ser infeliz por minha
causa...
Porque eu a abandono na desgraça...
Vânia, meu amigo, diz-me,
resolve por mim, qual das duas é que eu amo mais: Kátia ou Natacha? — Isso
não posso eu dizê-lo, Aliocha — respondi-lhe.
— Tu deves saber melhor que
eu...
— Não, Vânia, não é isso; ainda não sou assim tão tolo que te fizesse
uma pergunta dessas; mas é que, no fundo, eu próprio não o sei.
Interrogo-me
e não acho resposta.
Ao passo que tu olhas o caso como espectador e pode ser
que saibas mais do que eu...
Bem, e ainda que não o saibas, diz-me: a ti que te
parece?
(DOSTOIÉVSKI, Humilhados e Ofendidos.
1861, p.
271).
Ao analisar todos esses conflitos, chegamos a conclusão da singularidade desses
personagens, que por mais inacabados que eles sejam, eles ainda sim exercem
influência de forma singular dentro da narrativa, isto é, cada um se distingue por suas
peculiaridades, caráter e atitudes no decorrer da história.
Então, por mais que surjam
essas tentativas de substituição entre eles, o indivíduo se manterá intacto, pois não
poderá ser substituído em sua singularidade.
Citação de....
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