De volta à roça
Publié le 21/01/2022
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DE VOLTA À ROÇA
José Carlos Zamboni
No princípio era o “homem da roça”.
Mais tarde é que surgiu o homem da
pequena cidade e só muito depois o habitante das metrópoles, mais ou menos
alheio a plantas e árvores, longe da terra e dos bichos, quase indiferente aos
vaivéns da natureza e das estações.
Não nos interessa, aqui, falar do camponês idealizado dos poetas
árcades ou românticos, nem a sua animalização deformadora operada por
escritores realistas ou naturalistas (exemplo extremo é a caricatura do caipira
feita por Monteiro Lobato), mas o homem da roça verdadeiro, sujeito às chuvas
e trovoadas da condição humana, ferido pelo pecado original e pelas
contingências da natureza.
O “homem da roça” — convém chamá-lo assim, em vez do termo livresco
“camponês”, para o diferenciar do homem urbano desenraizado —, era produto
daquele “mundo antigo”, que hoje muitos demonizam e praticamente já não
existe mais.
Era, antes de tudo, um forte, como dizia Euclides da Cunha.
Não
tinha outra saída além de ser forte, pois a isto o obrigava a realidade difícil e
muitas vezes inóspita em que vivia, com suas permanentes exigências.
O
prazer, para ele, era algo muito volátil, circunscrito a um único dia da semana, e
isso quando algum imprevisto não lhe requisitava, também, um bom pedaço do
sétimo dia, teoricamente feito para o descanso e a oração.
Além de treinado pelos vaivéns da natureza e das estações (cuja
instabilidade nem sempre garantia ao trabalho o êxito esperado), pelas
dificuldades em realizar as coisas mais banais do dia a dia (preparo dos
alimentos, necessidades fisiológicas, cuidados com o corpo), crescia
aprendendo a respeitar os que tinham vivido antes dele, com os quais havia
aprendido tudo o que sabia.
O antigo homem da roça era, por natureza, culturalmente conservador:
não podia dar-se ao luxo de experimentar novas soluções para problemas que
se repetiam quase sempre os mesmos, e para os quais os antepassados já
tinham uma resposta convincente.
Mudanças, quando havia, eram algo
imposto pela realidade e dependentes da inteligência individual, não por uma
caprichosa subjetividade disposta a novas experiências.
Era obrigado a aceitar
limites, aprendia a desejar as coisas mais simples, usualmente não apreciava a
promiscuidade.
Em geral sentia-se, por força da educação que recebera e
pelas imposições do próprio ofício, mais atraído pela ordem que pelo caos.
Aquele antigo “homem da roça”, enquanto persiste em subsistir nalgum
recanto da alma do homem urbano, despreza a pretensão moderna de criar
uma sociedade artificial, com a tecnologia substituindo toda e qualquer
atividade individual; uma sociedade em que todas as funções humanas,
materiais e mentais, sejam potenciadas por extensões mecânicas, elétricas e
eletrônicas, como pretende agora a ideologia trans-humanista, que não passa
de filosofia para crianças mimadas (mas que, de certo modo, já é uma
deplorável realidade hoje em dia).
Quem tudo delega às ferramentas, em especial às eletrônicas, e cruza os
braços, será necessariamente mais fraco, inicialmente no aspecto físico, e, em
seguida, no plano psíquico.
Desfibra-se à medida que corta as raízes com as.
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